Pesquisa procura viabilizar cultivo doméstico da fruta considerada símbolo de MS; guavira tem até 20 vezes mais vitamina C do que a laranja
João Prestes
O verão era a época de colher guavira em Mato Grosso do Sul até poucas décadas atrás. A frutinha de coloração verde clara – algumas chegando a um amarelo esmaecido – crescia livre nos campos e fazia a festa da família. Todos se ocupavam da colheita enquanto durava o curto ciclo de maturação, e não há quem não gostasse da fruta: guavira tem gosto de guavira, não permite comparação. É a fruta símbolo do Estado desde 2017 por força de lei. A ocupação do território com lavouras e pecuária modernas reduziu os guavirais que remanescem em pequenas áreas nas regiões de fronteira, sobretudo em Bonito, Anastácio, Aquidauana, mas é possível encontrar pés da planta em qualquer parte do Estado em que haja porções de vegetação nativa.
As gerações futuras podem – entretanto – ter o privilégio de encontrar guavira em pratinhos nos supermercados e por períodos maiores que as poucas semanas da colheita natural. Estudo conduzido por pesquisadores do Cepaer (Centro de Pesquisa e Capacitação da Agraer), em Campo Grande, avançam no processo de domesticação da planta com a finalidade de possibilitar seu cultivo em escala comercial. As etapas de germinação e desenvolvimento das mudas, o espaço ideal entre as plantas, o tempo que demora para colheita, tipo propício de solo e adubação necessária, entre outros itens, já são conhecidos.
Clonagem
Os experimentos, agora, buscam desenvolver a técnica de propagação vegetativa (clonagem) para garantir um pomar de plantas uniformes e com produtividade e resistência satisfatórias, explica a engenheira agrônoma Ana Ajalla, que ao lado do também agrônomo Edmilson Volpe, coordena a pesquisa com guavira. Tudo começou em 2006, em trabalho pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) que investigava as propriedades medicinais da planta. As folhas e também o fruto têm efeitos antioxidante, antimicrobiano, anti-inflamatório e antidiarreico, entre outros, assegura a pesquisadora. Além de ser uma bomba de Vitamina C, até 20 vezes mais que a laranja.

Após o trabalho pela UFGD, em 2007 Ana Ajalla decidiu investir em outra linha de pesquisa: a tentativa de reproduzir e selecionar mudas para viabilizar o cultivo doméstico da fruta. A primeira constatação foi que a guavira possui sementes recalcitrantes, ou seja, não podem passar por processo de secagem nem ser submetidas a baixas temperaturas. O plantio tem que ser feito logo após a semente ser retirada da fruta; só assim acontece a germinação, processo que demora entre 20 e 25 dias.
A pesquisa indicou que também é preciso esperar 90 dias para que o broto se desenvolva antes de ser levado ao viveiro, onde recebe irrigação controlada para evitar o excesso de água e sombreamento de 50%. Ali as mudas devem permanecer por 11 ou 12 meses antes de serem plantadas definitivamente no pomar. A colheita com boa produtividade vem após o terceiro ano e não se sabe ainda até que idade a planta irá produzir. A altura máxima do arbusto fica pouco acima de 2 metros.
A época ideal para o plantio definitivo é nos meses de dezembro, janeiro ou fevereiro, devido à oferta regular de chuvas que contribui para o enraizamento e desenvolvimento das plantas. Após testar vários espaçamentos, os pesquisadores recomendam o plantio em linhas de dois metros de largura e distância de 50 centímetros entre os pés. Mas isso depende, também, do tipo de consórcio que se busca. Devido à sua rusticidade, a guariva pode ser associada até com capim para trato do gado ou com árvores frutíferas como o baru. Essas respostas ainda estão sendo obtidas nos campos experimentais do Cepaer.
Agora, o desafio dos pesquisadores é conseguir desenvolver o processo de clonagem para ter mudas com melhores características genéticas. Por enquanto, as tentativas não foram bem-sucedidas e eles ainda buscam a técnica adequada à variedade. As mudas a partir das sementes apresentaram alta variação no desenvolvimento das plantas e na produtividade, portanto não é o método adequado para um cultivo em larga escala.

Unidades demonstrativas
Além dos vários pomares na área do Cepaer, com idades, espaçamentos e origens diferentes das sementes, existem outras unidades demonstrativas em Maracaju, Rio Brilhante, Bonito, Terenos e Campo Grande. São pomares com no mínimo 50 e no máximo 100 plantas, todas desenvolvidas no viveiro do Cepaer e alguns já em plena produtividade. Essas unidades são importantes para se estabelecer a correção ideal do solo, identificar pragas, introduzir o controle biológico adequado e testar o desempenho da variedade num sistema produtivo regular submetido a condições normais do tempo.
A unidade demonstrativa de Rio Brilhante está na propriedade da agricultora Leiri Antonia Nogueira. O filho dela, o engenheiro agrônomo André Nogueira Borges, conta que plantou 110 pés de guavira em janeiro de 2020 e apenas 8 mudas não vingaram. Seguiu a recomendação dos pesquisadores e fez quatro linhas com distância de 2,5 metros entre as mudas. O pomar ocupa, portanto, espaço total de 8 x 13m, área considerada pequena até para os padrões urbanos.
“Decidi fazer o pomar porque minha mãe gosta muito da guavira e está cada vez mais difícil encontrar a planta nativa, por causa da destinação do solo. Já no primeiro ano depois do plantio, começou a produzir. Não foi muito, mas colhi guavira de novembro até abril. No ano passado tivemos uma geada e acho que isso inibiu as plantas, não produziram. Agora estou esperando para ver se carrega no fim deste ano”.
Ficha técnica
Nome popular: guavira, guavirova ou gabiroba
Nome científico:Campomanesia adamantium
Altura: 70cm a 2m na fase adulta
Primeira colheita: após 3 anos do plantio
Ciclo da colheita: anual, entre novembro e dezembro
Produtividade: de 3 a 14 toneladas por hectare
Preço médio atual: R$ 15 o quilo in natura
Fotos: João Prestes